quarta-feira, 17 de junho de 2009

Práticas de linguagem oral e alfabetização inicial na escola: perspectiva sociolinguística

Já que estamos no mês das festas juninas, onde tudo parece nos remeter a Norte e Nordeste, acredito que o contexto do texto de Erik Jacobson, que trata das práticas de linguagem oral e escrita, onde devido as diversidades culturais e o tamanho quase continental do Brasil, fazem com que pessoas de diferentes regiões se expressem de maneiras distintas. Além de também ressaltar as diferenças de linguagem da família e da escola e o quanto isto pode ser complexo para uma criança, possa ser simplificado por este poema, que possibilitará uma reflexão muito mais cuidadosa de nossa prática como docentes das séries iniciais (e das outras também).

"Oi Meu Amor !
Ti quero ocê
Kinem uma foto bunita prá oíá
Uma frô xerosa prá xerá
Uma boca vermeia pra bejá
Ti quero ocê
Kinem uma bala gostosa pra xupá
Um xocolate crocante pra mordê
Um sorvete de morango pra lambê
Ti quero ocê
Kinem massa de pão pra amassá
Uma bunda linda pra biliscá
Um docinho de leite pra comê
Ti quero ocê
De um jeito quarqué
Do jeito ki ocê quisé
Do jeito ki ocê dexá"

Autor desconhecido

Sim, isto é um texto, não riam.
Este é um texto caipira, escrito como cada uma destas palavras é pronunciada nas regiões norte e nordeste. A escrita ou o jeito de falar destas pessoas nos parece engraçado da mesma forma que a nossa maneira carioca de se expressar também é vista por eles, que muito "zombam" deste nosso chiado contínuo, como se fosse um canal de TV fora do ar. É por isso que as diferenças são eminentes e devem ser respeitadas acima de qualquer coisa. Porém, o que encontramos não só nas ruas e praças, mas também dentro das escolas brasileiras é uma tentativa de imposição de um único modo de falar, que muitas das vezes diz respeito a maneira dominante de se expressar, onde "qualquer manifestação linguística que escape desse triângulo escola-gramática-dicionário é considerada, sob a ótica do preconceito linguístico, "errada, feia, estropiada, rudimentar, deficiente", e não é raro a gente ouvir que isso não é português". (BAGNO, Marcos, 2006, p. 40)
Além desta reflexão que ressalta o preconceito linguístico, o que quero propor com este pequeno poema caipira é explicitar uma das ações mais comuns durante um processo de ensino-aprendizagem em uma classe de alfabetização.
Inicialmente, a criança escreve o que fala, caberá ao professor perceber tal atitude, não a considerando um erro mortal, mas sim como um processo de aprendizagem, onde a cada aula o docente deverá mostrar, por exemplo, como a palavra é pronunciada e como é escrita, também podendo utilizar a ludicidade como instrumento.
É preciso fazer com que a criança perceba que a pronuncia das palavras nem sempre saem como são escritas devido as regionalidades e também a rapidez da comunicação, onde, às vezes, ao invez de sair "falando", sai "falano". O gerundismo parece de certa forma, fazer parte do cotidiano, porém não por maldade ou deslecho, mas sim como expressão de uma identidade cultural eminente.
Segundo JACOBSON, "os professores têm de pensar que, para cada indivíduo ou comunidade, a alfabetização funciona como parte de um amplo conjunto de práticas sociais" (p. 92), e mais ainda, que a escola não deve discriminar tais falas, mas sim apresentar uma linguagem formal que possa ser compreendida por um todo. No entanto, vale relembrar que, como explicitado acima, esta linguagem sempre estará ligada a linguagem de uma classe dominante, que a impõe como uma verdade absoluta.
A alfabetização, assim como apresentado pelo mesmo autor, deve ser múltipla, valorizando todas as linguagens possíveis e que tenham significado para seus alunos, possibilitando desta maneira que estes além de aprenderem a ler e escrever tomem consciência de sua cultura e sua identidade dentro de sua sociedade, percebendo desta forma as diversidades existentes e, consequentemente, tornando-se um cidadão crítico e sem preconceitos.
É preciso modificar as metodologias de alfabetização, que quase obrigam nossas crianças a lerem e escreverem sem que isto tenha significado, pois assim como enfatizado por Ana Teberosky e Núbia Ribera, a alfabetização significativa é fundamental para se atingir o objetivo mais do que claro deste processo.
Ler e escrever têm de ser um processo livre, onde todos possam participar ouvindo e expressando suas opiniões, criando assim um indivíduo crítico, reflexivo e tolerante, capaz de respeitar as diversidades e tendo consciência de seu papel social, pois só desta maneira será possível acabar com o preconceito linguístico e tantos outros tão presenta no cotidiano de todos nós.

O vídeo abaixo apresenta muito bem esta diversidade linguística de nosso país e o como tal diversidade é incorporada e/ou também abominada por muitos, além de sintetizar muito bem o que é o preconceito linguístico.




Citei: Vídeo extraído de: http://www.youtube.com/watch?v=iBHMajeluNg
JACOBSON, Eric. Práticas de Linguagem oral e alfabetização inicial na escola: perspectiva sociolinguística. IN: TEBEROSKY, Ana. GALLART, Marta S. et. al. Contextos de alfabetização inical. Trad. Francisco Settineri, Porto Alegre: Artmed, 2004 (p.85 -98)
BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico. O que é, como se faz. São Paulo: Edições Loyola, 2006.

Um comentário:

  1. Reflexão excelente! Você articula a teoria com a prática, ilustra com exemplos, apresenta vídeo correlato à discussão! Como sugestão, coloque o título do artigo do Eric no início do texto. Assim, você já localiza o leitor.

    Na bibliografia, você deve colocar assim:
    JACOBSON, Eric. [Título do artigo]. IN: [colocar a referência de onde consta o artigo,no caso, a referência que você colocou da Ana Teberosky]

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